domingo, 2 de abril de 2017

Baú de Loucuras

Às vezes a gente resgata uns escritos em nosso baú de loucuras. Insanidades em uma madrugada qualquer há  anos.


Uma amiga recebeu quatro cartas.
Todas de personagens distintos.

A primeira pedia perdão e reconhecia a falta de caráter de seu autor.

A segunda, recém saída de um processo de reabilitação contra o álcool, já havia sido desmascarada pela ex-mulher antes mesmo que chegasse ao destino. Em um ato de coragem, raiva ou piedade, a ex tentava alertar para um comportamento parasita e vampiresco do sugador-autor. Inútil pois a destinatária já o sabia.

A terceira carta convidava para uma vida intensa de luxúria a despeito de qualquer outra coisa.

A quarta e última carta lembrava as típicas histórias dos canalhas que saem para comprar cigarro e retornam anos depois, como se nada houvesse ocorrido e ele tivesse ficado fora somente o tempo de coar um café, enquanto os filhos cresciam e a mulher envelhecia na luta de criá-los sozinha.
Cada uma dessas cartas parecia haver sido escrita para uma mulher diferente, portanto, quatro mulheres distintas.

Como ela pôde se enredar tanto assim?

A primeira carta era um atestado de culpa, máxima culpa. Um pedido de perdão tão longo, intenso, vestido pelo reconhecimento de todas as verdades e as juras escritas nas paredes da vida, que teria sido impensável não perdoar.

A segunda carta continha o jeito viciado de escrever, assim como seu autor porta o vício da bebida. Exalava o álcool da insensatez de uma certeza de encontrar sempre à disposição um porto que considerava seguro e calmo, como uma pequena baía de águas sempre mansas, um porto que tinha como certo ser seu.

A terceira carta -- SACHA! -- Podia-se ouvir os gritos -- declarava com todas as letras que apesar do amor acabado, o sexo, por demais excelente, deveria ser mantido ad infinitum.

A quarta carta continha um selo de garantia irredutível. Mas mesmo o cigarro estava vencido.

Seguindo uma lógica imbecil, a desavisada amiga perdoou o primeiro e viveu por ano e meio o sonho da casa própria até descobrir que nada lhe pertencia de fato, e que a tal casa seria usada somente durante a vigência da tinta vagabunda com a qual fora maquiada. Quando estava tomando consciência do engodo chegaram a segunda e a terceira cartas, simultaneamente. Talvez assustada pela repercussão destruidora da primeira carta, ela conseguiu ignorar a segunda carta e recusar também, com todas as letras, carimbos e selos, a terceira.

Sobre a quarta carta, já com o coração vazio lhe chegou o odor embolorado do fumo que a deixou enjoada, e ela simplesmente lembrou que não mais fumava... Então, para que cigarro? Por favor, disse ela, vá devolver o cigarro que comprou e não retorne mais.

Almas penadas vagantes.

Vez por outra as imagens de alguns "quem´s" assustam quem pensou haver enterrado seus mortos.
Todo mundo tem uma carta, uma nota, um capítulo inteiro de vida que gostaria de reescrever, talvez. De preferência sendo uma heroína, alguém com forças suficientes para não se deixar pisar.

Por que algumas pessoas levam mais tempo para aprender do que outras?

Todos temos capítulos que adoraríamos reescrever. E alguns que uma simples borracha resolveria o problema. É mais fácil arrepender do que não se fez.

Um viva a eternidade das lembranças dos momentos felizes. 
Que morram todas as memórias tristes.

Todos temos cartas, poucas delas de alforria.



Karine Freitas

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